Memórias do Cárcere Obstétrico - Capítulo 6


               
Capítulo6


Prover calor, posicionar a cabeça,  aspirar secar,  estimular ,  reposicionar e reavaliar.  Gostaria que  essa fosse a única etapa do algoritmo de reanimação do RN, mas infelizmente não era. O bebe nasceu , sem respirar, mergulhado em mecônio.  O plantonista já tinha checado os batimentos fetais, menor que sessenta, bem menor. Ele já tinha oferecido oxigênio inalatório, mas  o RN continuava cianótico , sem mudança.    O plantonista aspirava pela boca do nenê o máximo de mecônio que podia. A impressão que dava que ele tinha engolido todo o mecônio do mundo.

-Pegue o ambu. Monte.  Ele disse isto,   enquanto uma das mãos já procurava algo na bancada de medicamentos.

 Montar o  ambu? Não lembrava muito como fazia isto. Apenas tinha visto algo nas aulas de neanatologia.   Mas o  cérebro  humano é uma maquina operante, e eu, sabe Deus como, montei .e lá estávamos nós oferecendo  ventilação positiva para o bebê. Trinta segundos depois ele  ainda tinha  freqüência menor que sessenta.  A esta altura dos acontecimentos, a sala já estava cheia de gente,  enfermeiros, técnicos de enfermagem, os internos. Nada do neonatologista. 

- Onde esta o neonatologista?- berrou o plantonista.

A preocupação dele  era que o bebê necessitava entubar. E convenhamos sem treinamento não há eficiência. Teríamos que nos virar com o ambu mesmo. O plantonista começou a fazer a reanimação cardíaca do RN, ao contrário dos adultos, no RN freqüência cardíaca menor que 60 e persistência da cianose, a massagem era  mandatória. Mais trinta segundos. O tempo agora, era o inimigo.  Nem eu sei se respirava  mais. Tudo se processava  ora  ultra rápido, ora  super lento.

- Adrenalina, me dêem  adrenalina.  Disse o  plantonista olhando para as  técnicas de enfermagem.
-Doutor, olhe,  olhe... Disse eu  apontando para o bebê,  que  começava a chorar,  ainda engasgado,  mas chorando. 

A cianose indo embora. Houve uma euforia e uma comoção geral na sala.  Alguns gritavam  emocionados isso, isso!, Algumas internas choravam. Eu apenas  mantinha  a oxigenação do bebê. Minha vista nublada por lagrimas. O plantonista soltou um sorriso preso.

- Conseguimos.

 Mais alguns instantes, o neonatologista chegou e a rotina do parto pode continuar.  Eu olhava para o bebê, as mãos  enrugadas,  o choro ainda um pouco abafado. A pálpebra do olho esquerdo normal. Sem lacerações. Era um menino.  A mãe olhava, com um olhar de felicidade. Estava exausta mais feliz. Muitas coisas não foram normais esta noite.  E que bom que não foram.








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