A Consulta - No divâ da Loucura


Prólogo

Cidade de Salvador,
Hospital Universitário Professor Edgar Santos (HUPES)
Tempo presente

Gostaria de dizer que era mais um dia tranqüilo e ensolarado na cidade de todos os santos. Mas isto não seria a verdade. O dia já começou estranho. Eram quase nove horas da manhã chuvosa de uma segunda feira, vestíamos o jaleco enquanto caminhávamos a passos curtos em direção ao Hupes. Eu , Cesarino e Lobão andávamos mais lentamente para postergar a próxima aula do que pela dificuldade de por a vestimenta. Psiquiatria, a primeira aula de muitas que viriam. No quarto ano de medicina já temos experiência bastante para gostarmos de algumas coisas e suportarmos outras. E Psiquiatria é algo que a maioria apenas suporta.
Já tínhamos subido os degraus da faculdade de medicina e o hospital se aproximava lentamente.Uma chuva bem fina começava a cair enquanto Lobão, como sempre, fazia questão de satirizar a minha opção de fazer ortopedia como residência médica. Cesarino apenas ria. Subimos as escadas do estacionamento em direção ao hospital.
- Perai tenho outra. Como é que agente faz para esconder dinheiro de um ortopedista? Colocando dentro de um livro. Hahahaha – esculachava Lobão enquanto tentava se proteger da chuva colocando a sua mochila sob a cabeça
- é isso mesmo. Concordava Cesarinno
- Isto nem merece comentário. Disse eu enquanto olhava parta o céu. Os degraus acabavam, a chuva insistia em cair mais intensamente. Olhei para o lado do hospital e a porta do Pronto-Atendimento, que ainda estava em construção, se encontrava aberta. Chegaríamos mais rápido a aula e escaparíamos da chuva se fossemos por lá.
- Vamos pelo PA. A chuva está ficando mais forte.
- Mas a aula não é no terceiro andar? Disse Lobão.
- É, por isso mesmo. Sairemos da chuva e ainda chegaremos mais rápido.
Aumentamos o passo em direção ao PA. Lobão incansavelmente insistia no tema.
- Olhe, essa é nova , sério, o que é que o Ortopedista vê quando olha para o céu? Vamos diga. Vou dar uma pista , ele ... – a voz é cortada por um som abafado.
Eu estava olhando fixamente a porta do Pronto-Atendimento do hospital quando sentir próximo ao meu ombro o ar sendo cortado por um vulto. Um som de carne e osso arremessado ao chão. Nem tive como reagir, o mundo desapareceu, eu desapareci. Meu campo visual fechou-se em um ponto . Demorei alguns segundos para identificar o que era. Inacreditável. Um homen , de meia altura, caucasiano e um pouco calvo acabara de se atirar do terceiro andar do Hupes. Um homen com vestes brancas. O peito voltado para o chão espalhado pela calçada cinza. Pernas e braços abertos. Sua cabeça acertou de cheio o calcamento. Sua nuca abriu como uma panela de tampa, espalhando seu conteúdo encefálico em cima do meu sapato. Olhei para mim e um risco fino do seu sangue cortava o meu jaleco branco. O contraste entre o branco e o vermelho vivo. Não me lembro o que aconteceu depois. Alias depois disso tenho tido dificuldade de definir o que aconteceu antes ou depois. O tempo tornou-se impreciso.
E é por isto que estou aqui Doutor, deitado neste divã, descrevendo o que aconteceu, ou pelo menos o que eu me lembro. Alias gostaria de relatar o que aconteceu nos dias seguintes pois me pareceram muito mais estranhos do que neste dia nublado de uma segunda feira.
( Capitulo 1 - próximo dia 03/12/2009)

Horário de Pico


RRRRRUUUMMMM
Arrasta o ônibus a minha paciência
Voltei a escrever
E a cada momento me arrependo mais disto
Salvador é quente , úmida, suada e ignorante
Não digo na mente,
digo no espírito
Ignorante no sentido literal - ignorar – insapiência

Olho pela janela do ônibus
Para ignorar as pessoas que se apertam,
se espremem, no corredor
Mesmo porque o ônibus não tem apenas corredor
Tem porta , janelas cadeiras sala e cozinha
Tristeza , mau humor, e odor
Se na casa da mãe Joana em cada canto a um conto
No ônibus – sempre cabe mais uns a cada ponto

RUUMMRUMpstaaa

Olho pela janela para tentar ignorar a mulher que se pôs rente ao meu lado
Se há um sentido errante este é o olfato
E eu não consigo ignorar esse cheiro
Azedo
Cansado
E Pobre
Trabalhou o dia inteiro – ganhado a mais valia do burguês
Trabalhara ao chegar em casa - ganhando o labor do marido seu eterno freguês
E ao final de um dia de labuta
Dormira um sono profundo - ganhando o sono dos ignorantes
Não importa quantos dias se dobre
Ou quão mais duro seja sua vida arfante
Seu cheiro continuará
Azedo
Cansado
Pobre.

Ao menos achará que é feliz
Achará, apenas achará,
Porque saber que tem coração
Não significa necessariamente que tem alma
Estar nas trevas
Meu caro
É como viver na escuridão
Não se perde muita coisa
Porque na verdade nunca se conheceu nada.

(Continua próximo dia 02/12/2004)

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