![](http://fotos.imagensporfavor.com/img/pics/glitters/c/computador-5538.jpg)
Capítulo 3
Um doze romano, algo que parece um estetoscópio, uma cruz dentro de um círculo. E o que isso quer dizer? Talvez não queira dizer nada. As paredes da Climério, principalmente do quarto dos internos são bastantes rabiscadas de canetas, lápis, pincel de quadro branco. Uma memória dos internos que já passaram pela maternidade. Alguns depoimentos são idiotas, outros interessantes. Houve épocas que as escritas nas paredes eram uma distração para os que estavam presos de plantão , mas com o tempo havia tantas e tantas coisas escritas, que o quarto se transformou em um quadro de arte moderna – poluição visual pura. Mas havia no quartos dois depoimentos que chamavam-me a atenção. Um ficava em baixo do lastro de cima de uma das beliches e dizia: “a morte é o descanso da vida para aqueles que não sabem viver”. O outro falava, nada poético, nada profundo, nada muito inteligente, mas com um significado que só um interno saberia decifrar: “gente, gente , gente englobei a residente”. Eu avisei, nada muito profundo ou poético, mas como diria um amigo meu, como a mente humana é complexa, há coisas que não é possível decifrar , apenas vivenciá-la. Eu mesmo já tinha sido “englobado” pela Residente uma, duas vezes. Miserável. Gestante pronta para pari, eu já todo paramentado, os dedos coçando, só esperando o recém-nascido, quando chega a Residente com um sorriso amarelo na cara. E faz todo o parto. Completamente. Lá vai mais um interno saindo da sala de parto sem nem sujar as luvas. Paciência. Oh palavrinha sem jeito. Pois bem, o mais provável é que eu já tenha visto estás marcas antes, mesmo sem prestar atenção muito nelas. E com diria Freud, o meu inconsciente apenas sublimou a sua existência no pesadelo... Foi isso. Com certeza. Não há outra explicação...
Tocô- toco - tocõ
O Maldito som da cardiotoco novamente. Fui o mais rápido que pude até o pré-parto. O som continuava. Olhei o cardiotocógrafo, desligado, tudo calmo, nada fora do lugar. Ou quase nada. A técnica não estava mais dormindo na cadeira. Tinha sumido. Ou apenas tinha indo no banheiro. Nestas horas a nossa mente faz conjecturas absurdas. É preciso concentrar. O som parecia vim da sala da televisão, caminhei até lá, tudo como antes, os técnicos espalhados pelo sofá, a sala escura. Não totalmente. Na sala de televisão havia uma porta que dava acesso a sala do computador. Uma sala pequena, confortável, com sofá, uma mesa, cadeiras e, por assim dizer, um computador. A luz escapava pelas frestas da porta. Andei em sua direção e a cada passo o som da carditotoco ficava mais alto. Toco-toco-toCO-TOCO. Nunca, sob nenhuma hipótese o cardiotocógrafo estaria na sala de computador, seja o que fosse que estivesse fazendo o som , certamente não estaria dentro daquilo que considero como “ tecnicamente normal”. Segurei firme a maçaneta da porta, o medo me fez parar, poderia simplesmente desistir agora, não abriria a porta, voltaria para minha cama, acordaria amanhã e evoluiria os meus pacientes na enfermaria. Perfeito. Seria um CO normal, como outro qualquer. Hesitei por alguns instantes. Dane-se. Abri a porta.
...A sala estava parcialmente iluminada, a luz vinha do computador que estava ligado. Na tela do computador apareceu um traçado característico. O traçado do cardiotocógrafo, com uma linha de base em oitenta bpm. O normal nunca era menos que cento e vinte. Depois os símbolos apareceram na tela por alguns segundos. Por fim, um rosto de um bebê com a pálpebra esquerda lacerada. A tela ficou toda branca e o computador desligou. O som finalmente desapareceu.
0 comentários:
Postar um comentário