Capítulo 4
O Mestre Paulo Freire já há algum tempo se acostumou com os caprichos de Vitória. Desde que se tornou tutor dela. Há três anos vem ouvido da menina as mais diversas perguntas , e dificilmente alguma lhe assustará. Pelo menos não até o momento.
- deixa eu vê se entendi bem, minha jovem, você quer saber o que fazer para poder sair de Marximus? mas porque?
- hummm... bem Professor Freire, sei que não é simplesmente sair de Marximus. O senhor sabe como odeio os Sulneanos, Mas comecei a sentir uma necessidade de... de conhecer como é a vida deles. Talvez isto me ajude de alguma forma a... aceita-los. Bem, andei pesquisando e apesar de nossa civilização ser a mais evoluída que já existiu na face da terra, temos pouco conhecimento acumulado sobre eles. E quem sabe um trabalho de campo pudesse ajudar. O senhor não acha?
- bem Vitória...- responde o professor, meio como se não tivesse gostado de ouvir a pergunta, ou mesmo como se não gostasse de discutir o assunto, mas com uma voz de quem já sabia o que fazer – Eu sei que você é uma biotecnologista competente, seus experimentos com regeneração de membros a partir de células totipotentes induzidas são um sucesso, mas sinceramente não vejo como um trabalho desses poderia ajuda-la, a entender seus próprios conhecimentos. De qualquer sorte, não sei se você se lembra , mas conversamos outro dia sobre algo similar a isto. Você se recorda quando há seis meses fui questionado por alguns alunos sobre um conhecimento mais aprofundado da floresta obscura? pois, naquela época fizemos os seminários na universidade sobre o tema, e me lembro que falamos relativamente sobre os sulneanos, você se recorda disto? Bem - o professor levanta da cadeira, vai até um computador holográfico e o liga - Bem , como eu já previa que alguns alunos ficassem mais curiosos sobre os Sulneanos, eu preparei essa holoapresentação, lógico que a essa altura da madrugada eu não vou apresenta-la toda - o holofilme se inicia e imagens da Floresta Obscura e dos Sulneanos são formados em uma projeção quase real. - veja aqui este é um suneano típico, como você já sabe, Eles são humanóides bem verdade, com pernas, braços e crânio próprios dos humanos, o que os diferencia de nos são basicamente três... quatro coisas: primeiro, o cabelo que, naturalmente , cresce como rabo de cavalo apenas na região occipital. Segundo, as diversas manchas escuras espalhadas pelo corpo. O próprio corpo já possui uma cor meio bronze. Terceiro - o holograma mostra a imagem de um sulneano em um laboratório, deitado em um tipo de celas para animais, desacordado mais aparentemente vivo - não são seres racionais, os poucos que já capturamos acidentalmente com vida em nossos campos de minério mostravam um córtex pouco desenvolvido, tinham tendências violentas, e emitiam grunhidos indistinguíveis. E quarto - o holograma muda para uma imagem que permite analisar a genitália dos sulneanos e compara-la com as dos humanos - pela investigação da estrutura de cópula e semem, vimos que, apesar de possuírem uma genitália externa e interna bastante parecida com os dos seres humanos, se por acaso alguns deles cruzassem com um de nós , com certeza não produziriam descendentes, devido a alterações importantes no material genético, nos espermatozóides e óvulos. Além disto, descobriu-se também que o DNA deles diferem em torno de 0,5% de nós seres humanos. E se você pesar que nos macacos, gorilas etc possuem uma diferença de 1%, então este 0,5% parece, para mim, bem significativo . Enfim, isto prova, em ultima análise, que eles são realmente de outra espécie. - o professor desliga o holofilme.
Vitória senta na cama pega o controle do projetor, congela no canto inferior esquerdo do monitor a imagem do sulneando preso na cela, enquanto a imagem do seu professor ansioso por uma manifestação de Vitória continua no outro canto do visor.
- É exatamente esse o ponto professor. Sabemos organicamente o que eles são, mas não sabemos sobre como eles estão organizado. Se vivem nas árvores mesmos ou possuem outro tipo de moradia, se possuem alguma organização social, se são realmente os monstros que acreditamos ser . É esse tipo coisa que eu gostaria de ter resposta
- bem minha jovem - diz o professor com uma voz frustrada por todo o seu esforço não ter sido suficiente para tirar as dúvidas da sua aluna.- existem alguns artigos sobre o tema mais eles estão localizados no arquivo do Instituto Nacional de Segurança e Pesquisa e dificilmente, sem um argumente plausível, teremos acesso a eles. Além do mais , uma pesquisa assim, ´´de campo`` requereria investimento alto, em equipamentos e principalmente segurança e tempo. E o retorno talvez não valesse a pena. De qualquer sorte, podemos conversar pessoalmente logo mais na universidade sobre o assunto. Mas já lhe adianto - o professor se aproximou da tela - você sabe quais são as regras de Marximus: todos que saem de Marximus, sem uma autorização, reconhecida e assinada pelo presidente, não podem mais voltar. Além disto, pelo que sabemos, os que já saíram não sobreviveram mais de vinte e quatro horas para contar alguma historia. Agora vá dormir. - O professor Freire deu um sorriso como se quisesse acalentar a frustrada aluna e desligou o monitor.
Vitória sentou mais próximo da cabeceira da cama puxou o ededron, desligou a luz e se colocou a olhar a janela do terceiro andar do seu apartamento. Tudo lá fora era calmo, uma rua sem movimento, um carro de vigilância vazio, as luzes acessas dos postes e nenhuma pessoa circulando na rua. Parecia que somente ela estava ali. Engraçado, tudo aquilo curiosamente representava exatamente o que ela sentia: um vazio. Uma angustia. Como se alguma pergunta que ela não sabe qual precisasse de resposta.