“Os ratos conseguem ficar submersos por até três minutos”
Capítulo 7
Por incrível que pareça a origem da palavra louco vem de uma derivação da palavra lógico. Uma antípoda da coerência, da razão. Mas a semântica por si só não explica muita coisa. Em termos médicos a loucura é uma condição da mente humana caracterizada por pensamentos considerados fora da normalidade. Por volta do século dezenove,
Hegel afirmou que a loucura não seria a perda abstrata da razão:
"A loucura é um simples desarranjo, uma simples contradição no interior da razão, que continua presente". A loucura deixou de ser o oposto à razão ou sua ausência, tornando possível pensá-la como a lógica dentro de uma razão ilógica: a loucura de cada um, possuidora de uma lógica própria. Saber disto não me faz mais são.
Agora estava em pé, frente ao meu corpo. Poderia pensar como isto poderia ter acontecido, ou mesmo achar tal fato algo do tipo viagem astral, mas a mente humana é complexa e a única coisa que me veio a mente foi: sou tão diferente do que imaginava. Era magro, o rosto seco, mais pela vida que levava como estudante de medicina do que pela genética. O cabelo calvo e a barba por fazer me dava um tom meio despojado, meio descuidado. Os traços mestiços contrastava com o jaleco branco, parecia mais um paciente do que um médico. Sim doutor, por que não? Cada um de nós temos uma visão de um médico na nossa mente. Eu vejo um médico com alguém com quarenta e um anos, branco, cabelo um pouco ralo, traços nórdicos e com grandes óculos quadrados. Não essa coisa na qual me transformei. Um ser frágil, franzino, sofrido... Típico da população que vive na base da pirâmide. Pois bem, lá estava “eu”, sentado, cheguei perto, fiquei lado a lado comigo, encostei lateralmente o rosto em me mesmo, e me pus a olhar o que antes olhava. Olhava para o Homem Morto, o gordo careca, que nem me parecia tão ameaçador assim. Curioso como essa forma metafísica nos da mais coragem. Uma sensação de onipotência, como se nada pudesse me atingir. Pelo visto, o nosso corpo é uma prisão da qual a morte apenas nos liberta. Agora eu estava ali, mais poderoso que o tempo. Nada se mexia e eu poderia ver e olhar o que quisesse, da forma que bem entendesse. Aproximei-me do professor, um homem com barbas brancas, tinha lá seu sessenta e poucos anos, cabelos grisalhos. Uma camisa social desbotada e uma calça jeans já surrada pelas aulas. Lembro que em um dia desses de aula ela comentou algo interessante; como decidiu fazer psiquiatria. Na verdade não foi uma escolha: faz psiquiatria quem tem uma razão maior que a própria pessoa. Ele mesmo comentou uma vez que o professor dele, no primeiro dia de residência, disse: faz psiquiatria quem mergulha ou no mar de rosas ou no mar vermelho. O mar de rosas referenciava os homossexuais, o mar vermelho aos simpatizantes do comunismo. Os dois, independente de qualquer coisa, faziam parte de uma minoria. Mas este pensamento é de muito tempo atrás. Em uma época em que o Brasil vivia sua ditadura militar. O próprio professor confessou fazer parte da luta armada da época. E esta luta trouxe marcas que ele levaria para o restante de sua vida.
Rio de Janeiro, 1974, bombas e morteiros para todos os lados.
...
(continua)