Capitulo 3 - A Consulta: No Divã Da Loucura



(Capítulo 2)

“Os ratos são capazes de ficar submersos na água por até três minutos...”

Capítulo 3

A mulher de preto ainda era uma menina quando tudo aconteceu . A família tinha uma vida luxuosa no Corredor da Vitória, o metro quadrado mais caro de salvador. O pai era um empresário rico e famoso. Além de dono de uma rede de óticas ele era um grande cineasta. Como em um conto de fadas Hollywoodiano , o autor começaria a historia dizendo: Um belo dia de uma manhã clara uma família feliz resolveu visitar a vovó. Mas as semelhanças com um conto de fadas acabariam por aí.

- vamos filha, chame seu irmão ele ainda está dormindo. Estou indo pro carro, sua mãe e sua irmã já estão lá, não demore.

- Mas pai...

-Nada de mas , adiante-se, não vamos nos atrasar . Sua avó vai adorar rever vocês.

- Mas pai, é que... é que eu tenho uma prova na segunda, ... eu queria ficar para estudar.

A prova obviamente era mentira. Mas com jeito e um pouco de persistência o pai a deixou juntamente com o irmão que ainda dormia. Por volta das 14 horas daquele mesmo dia aquela menininha que havia mentido para não ir na viajem com os pais soube que seu pai, mãe e sua irmã mais velha haviam morrido em um acidente de carro. Ela e o irmão escaparam. A mentira a salvara a vida, mas não a alma.

No enterro a chuva fina de um dia inteiro dava o tom do clima.O cemitério do campo santo estava cheio de amigos, os jornalistas e curiosos. A menina,que pela primeira vez visita preto não saiu de junto do caixão. O seu tio segurava a sua mão. Em vez em quando olhava para ela com um olhar meio que de pena meio que de tristeza. A única coisa que conseguiu dizer foi:

- Ohh, meu anjo, sinto muito... muito mesmo. Mas tenha forças.... pelo menos você e seu irmão estão vivos não é mesmo?

Vivos... vivos... vivos... um eco se processou na cabeça da menina de preto.Nos anos que se seguiram muita coisa mudou na sua vida, a maioria delas foram esquecidas, mas esta palavra toda noite ecoava . Vivos? vivos quem?

Agora ela estava ali. Sentada em nossa frente, em meio a um circulo de estudantes de medicina e o meu professor , um psiquiatra. Ela estava sentada na cadeira com um vestido preto, o corpo balançando para lá e para cá. Um cabelo meio ruivo, despenteado batendo no meio das costas. O olhar perdido no nada. Deveria ter uns 49 anos mais parecia um pouco menos. O corpo curiosamente era forte...malhado?.

O professor perguntou para ela se ela não gostaria de dizer para a turma porque ela estava ali.- ela permaneceu inerte, os pés entrecruzados , o tronco para frente e para trás, e o olhar perdido no horizonte. O professor fez diversas investidas, vamos fale sobre sua profissão, sua vida etc etc etc. Durante três minutos com uma persistência implacável – Nada. Árvore vazia balançando ao sabor do vento.

A explicação que tivemos é que ela chegou no HUPES trazida pela filha. Estava em um estado catatônico, uma depressão profunda. Vez ou outra balbuciava alguma coisa. Pelo relato da filha e pelo pouco que se conseguiu colher da mulher de preto, o professor chegou a conclusão que ela era apaixonada pelo pai. E quando o pai morreu esse amor não completou o seu ciclo normal, tornando-se uma idéia esquizóide. Entender isto é ate razoavelmente fácil, acreditar é que é outra história.

Neste momento eu me concentrava em outra coisa. Recordar. A medida que tudo acontecia eu tentava refazer os meus passos, como fui parar sentado novamente na sala de psiquiatria?. A ultima coisa que lembrava era de ter visto os grandes olhos verdes da mulher de preto e = puf =, nada mais. Uma escuridão completa. O homem que eu tinha visto morrer nem se encontrava mais lá. O que passava pela minha cabeça era ou que eu estava louco ou que tinha um tipo de Alzheimer precoce. Convenhamos, duas hipóteses desgraçadas.

Repentinamente a mulher de preto balbuciou algo .A sala emudeceu. Ouvia-se a batida do próprio coração.

-Estive no inferno... Disse ela secamente, sem emoção - .Ninguém deveria ir lá...cheio de caveiras, aquele cheiro de enxofre, passei muitos anos lá...Mas o anjo Gabriel me salvou. E quer saber de uma coisa? O anjo Gabriel é lindo e tem panturrilhas enormes...

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