A anamnese - Cápitulo 1




A anamnese

Capítulo 1

“ Os ratos podem nadar por setenta e duas horas seguidas”...

Antes de mais nada gostaria de dizer que nunca cogitei a possibilidade de ter qualquer doença mental. Ir a um psicólogo talvez tenha sido o máximo que eu me permitiria. Ir a um psiquiatra: é o fim do poço. Não me leve a mal Doutor. Não me leve a mal. Mas realmente é isso. De qualquer sorte podemos começar quando quiser.
Meu nome? Bem, isto não importa muito, importa? Não, não me venha com isto. Isto não importa não. Veja bem, nos consultórios médicos o nome do paciente é o que menos importa. O que importa é a doença. É o infarto do leito dezesseis , é o Lupus do leito vinte e sete. Ninguém pergunta como esta seu João do leito onze, pergunta como é que esta o rim do leito onze. Estou no quarto ano de medicina, Serei médico mas agora sou paciente, e como paciente exijo ser tratado com tal. Se ainda não sabe qual é a doença então não me chame de nada. Nos comunicaremos pelo contexto. Fiquemos assim, certo? Ok.
Identificação: Tenho vinte e seis anos. Mas a idade não que dizer nada. Sou cético e cristão. Não acredito nas instituições religiosas. Solteiro, mas como todo mundo também sou casado , diria enrolado.Um homem tem que ter alguém para diluir suas tensões, não é mesmo Doutor?.
QP: Gostaria de dizer “dor de cabeça a setenta e duas horas”, ficaria lindo no prontuário. Mas isto não é possível. É mais que isso. A queixa principal mais correta é: me sinto estranho a tantas horas. Tantas. O tempo relativizou-se involuntariamente. Prossigamos.
HMA: podemos deixar por último?. Sei como se processa uma anamnese e se formos falar da história da moléstia atual agora perderemos o foco, deixemos por último Doutor.
HPP: Não, não sou diabético, nem hipertenso, nunca fiz nenhum tipo de cirurgia, nunca tive qualquer DSTs. Sempre fui saudável como uma rocha. Rocha no que se refere a resistente, forte. Não em relação a fria , a morto. Morto não.
HP: meus pais são vivos e saudáveis, e que Deus os preserve assim para todo o sempre. Meu pai tem cinqüenta e sete e minha mãe cinqüenta. Tenho uma irmã que com a exceção de um mioma nunca teve nada. Algum transtorno mental? Não. Não. ... Bem, minha mãe sempre teve mania por doença. Mania por achar que está doente. Certa vez ela fez uma laparostomia exploradora da pelve. Pois achava que tinham um tumor. Traço histérico pode-se dizer.
Deambulei na idade certa , nunca tive dificuldade de aprendizado, minha coitarca foi aos dezesseis anos. Tenho um relacionamento estável a cinco anos. Ultimamente tenho tido aversão a ratos e baratas. Mais a ratos.
Em relação ao interrogatório sistemático : cabeça , pescoço, pele e fâneros, tórax, abdômen, e extremidades coloque ndn. Não significa muito. Inclusive é incorreto mas todos colocam isto. Não é mesmo? Podemos falar da HMA agora doutor.
HMA: Como já disse, recentemente presenciei um acidente. Acidente não um suicídio. Bem nos mês pés o desgraçado caiu. Tanto lugar no universo... lei de Morf. Paciência. Mas o problema todo começou depois no outro dia quando começou a aula de psiquiatria. Terceiro andar do HUPES, era terça-feira. Ainda chovia muito em salvador, e como todo mundo sabe o transito em salvador desgraçadamente para quando chove. Não justificando o meu atraso, mas já justificando. Subir as escadas do HUPES o mais rápido que pude. Em um instante já estava no terceiro andar. As portas de psiquiatria sempre ficavam fechadas. Eram portas grades com janelas pequenas, de vidro. Bati na porta, esperei a enfermeira abrir, cinco minutos depois adentrei. Uma, duas portas a esquerda e lá já estavam uns oitos colegas meus, discutido o já possível, caso da aula. Sentei-me. O professor lançou-me um olhar cortante. Abotoei o jaleco ainda um pouco molhado da chuva e justifiquei mentalmente o meu atraso. Ele continuou.
- bem turma, vou trazer um paciente interessante para vocês analisarem., Ele está sendo tratado aqui há dois meses. Tem esquizofrenia. Começou o quadro quando tinha dezessete anos. Logo após a separação dos pais. Abriu o quadro com uma idéia deliroide de que a mãe traia o pai e por isso ela o perseguia. Era filho de um figurão de Salvador. Sempre que surtava a mãe dava uma baita surra nele. Tratado e medicado quando adulto passou muito tempo sem surto. Tinha uma vida praticamente normal, trabalhava na fazenda da família, como vaqueiro, e bom vaqueiro dizem a familia. Casou-se. Nunca teve filhos. Sempre teve orgulho de ser parecido com Jô Soares, não parece mais. Passou quase vinte e oito anos sem surtos. Mas todo mundo sabe uma vez esquizo sempre esquizo. Recentemente teve uma crise que abriu o quadro com uma outra idéia deliróide . O delírio da agora é que após a morte do seu pai sua mulher está de olho na sua parte da herança. Ela a internou aqui para poder gastar o seu dinheiro na Europa. Estamos investigado uma outra patologia associada Um CA provavelmente. O paciente tem 45 anos. Vou traze-lo aqui.
O professor saiu. O meus colegas me perguntaram algo sobre o dia anterior. Não ouvi bem o que era. Estava me sentindo meio surdo...hora ouvia as coisas hora não. Distrai-me olhando a sala. No centro tinha uma mesa grande onde os estudantes ficavam ao redor, a velha idéia da mesa redonda. As paredes brancas eram calmas e repletas de quadros. Provavelmente feitas pelos próprios pacientes. Os desenhos se resumiam basicamente a borboletas e jarros com flores. A exceção de um quadro grande que ficava a minha frente. Curiosamente as borboletas e os jarros pareciam ratos e baratas coloridas. Com diversas cores. Ratos coloridos. Olhei ao redor e não vi nem Cesarinno nem Lobão. O professor chegou trazendo consigo o paciente: Um homem de meia altura, caucasiano, um pouco calvo e com vestes brancas. Mal pude acreditar. O paciente, o caso de hoje, era o homem que eu tinha visto morrer ontem.

(continua...)


***
Veja també A mente liberta

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