No Divã da Loucura- Capítulo 9 (parte 3)

Ligo novamente a televisão.  Reflexo  condicionado. O ser  humano detesta a solidão do silêncio. A fome também me encontrou. Levantei peguei um pouco de suco na geladeira  e alguns biscoitos que estavam em uma vasilha sob a mesa.   Enquanto passava um filme de segunda no canal aberto, continuei pensando -  como o rato  conseguiu escapar? Hum... Engraçado... Não recordo   porque odiava tanto os ratos.  As baratas eram asquerosas... Mas os ratos, o   simples fato de ser um invasor, um transmissor de doenças não explicava todo o  ódio que sentia. Existia algo mais...
             O meu pensamento  foi  bloqueado  por um acontecimento mais agudo. O meu corpo estava novamente paralisado. Um tipo de acinesia emocional ou uma cataplexia as aversas.  Meu corpo simplesmente não respondia mais aos  meus comandos. Paralisado como uma estátua sem vida.  Até seria cômico se não fosse trágico.  O biscoito na mão  e com a boca aberta. E desta vez não havia qualquer transcendência.
           E  assim como os  ladrões   sabem a hora certa de atacar a sua vítima, lá vinha o  enfadonho do rato.  Atravessando lentamente  a fresta da porta.   Primeiro passou a cabeça, farejou o perigo. Não havia nada a temer.  Eu não me mexia, apenas os meus olhos acompanhavam tudo. Podia jurar  ver um sorriso brotar do seu focinho peludo.  Passou o corpo pela fresta e agora andava em minha direção.  Sorrateiramente encostou-se a minha perna,  sentiu o meu cheiro.  Com a habilidade de um  gato,   ele agarrou-se em meu pé e foi subindo em direção ao meu colo. A cada passo que ele dava  sentia o seu pelo  nojento roçar em minha pele. Milhões de trocas bacterianas entre eu e ele.   Tentei com todas as minhas forças  mover-me, mas  meu corpo não respondia, estava a mercê da própria sorte, como  um barco a deriva.  Finalmente ele chegou em meu colo.  Olhou em meus olhos. Podia adivinhar o seu pensamento: e agora, quem é o maioral? E agora  quem vai jogar uma vassoura para matar o pobre do ratinho?  Vamos! Se mova.  Ser humano patético, casca vazia. Acha que por  está em uma condição filogenética maior  é melhor que qualquer outro ser vivo? Acha que tem mais direito de viver do que eu ? Acha mesmo?!  Somente não irei devorar seus olhos porque não desfruto do mesmo caráter cruel eminente a sua espécie.   Vamos diga alguma coisa? Seu monte lixo. 
Poderia jurar que o rato sorria quase ironicamente. Os seus dois grades dentes  surgiram levemente. Ele desceu correndo do meu colo, foi até a cozinha subiu  na pia e lá faria sua busca por  alimentos e diversão. Filho da p... 
E a cada segundo que passava nesta situação, Doutor, eu  me sentia cada vez mais arruinado. Mentalmente arruinado. Ali, reduzido apenas ao pensamento. Mas nada é tão ruim que não possa piorar. Primeiro ouvir um arranhar leve na poltrona, depois eu vi nascer  todo o meu asco. A barata surgia. Tinha saído de  debaixo da poltrona, estava lá esse tempo todo. Só captando o movimento do ambiente.  O medo que ela sentia antes, agora desapareceu. Andou rápido até próximo do meu braço. Meus olhos vidrados em seu movimento. Ela parou rente a minha mão que estava apoiada na poltrona.  Suas antenas se mexeram. Sentiu a textura diferente.  Queratina, lipídios,  pêlo, suor, água: humano. Ela pensou em fugir, mais desistiu. Mas do que isso,  Ganhou coragem e colocou a sua pata asquerosa em minha pele. Arrepiei até meu ultimo neurônio. Eu bradava mentalmente: não ouse, não ouse. Ela virou-se  para mim. E os seus olhos eletrizaram os meus. As baratas possuem olhos?! A minha pergunta veio com uma resposta ainda mais assombrosa:

- Não apenas olhos ser de carne mole. Disse serenamente a barata?!

No inicio achei que estava imaginando coisas. Além de acinesia estou também com distúrbios visuais e auditivos, ouvindo  vozes dentro do meu próprio pensamento. Devo estar ficando louco.

Indignada a barata subiu veloz em meu braço, passou  pelo meu pescoço e  parou bem em cima do meu nariz. Olhando diretamente em meus olhos.

- Vou falar novamente... Não apenas olhos. Tenho também cabeça, corpo, mente. Ou você acha que é  o único ser pensante da terra?

-Não estou te ouvido. Isto é apenas furto da minha imaginação.  Repeti para mim mesmo. 
Fechei os olhos.
 (continua...)

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