A consulta: No Divã da Loucura - Capítulo 9

Capítulo 9
“As baratas possuem sensores de  detecção do movimento baseado no deslocamento de ar.”

Rua Rui Barbosa,
Pelourinho, centro, Salvador
20:32hs
Era noite,  estava chegando em casa,  acordei de um transe ao descer atônito do ônibus.   Como poderia ser tão tarde?  Há instantes estava fora do próprio corpo e agora estava ali,  andando em direção a rua Rui Barbosa.

- São coisas doutor que não consigo explicar.  Lacunas  da minha memória. Como um cérebro corroído por traças.  Buracos.  Não sei doutor como fui para ali, nem que dia era. Apenas estava. E ponto. Nem final nem seguimento. Apenas ponto. 

             A rua rui Barbosa ficava próximo  a praça Castro Alves.  Para ser mais exato entre a Rua Chile e o Teatro Glauber Rocha. Apesar de nomes tão glamorosos a  rua era patética.  Apertada. – mas qual rua do Pelourinho não era apertada? Na Rui Barbosa era  possível encontrar   um barzinho de quinta categoria, um bazar de disco de vinil, um sebo de livros antigos e um  prostíbulo  licenciado. Pois  é, eu   morava bem no meio desta muvuca. Edifício Haia. Dez andares, Com paredes amareladas, grades na porta. De certa forma era  deveras  agradável,  algumas lojas de conveniência, dois elevadores. Ambiente limpo e conservado.  Estava cansado.  Entrei no elevador. Nem falei com o porteiro. Cabeça baixa. Pensava em alguma coisa boa, não lembro o que.    Trazia uma bolsa de couro a tiracolo, dentro havia  um estetoscópio e o jaleco. Mas a bolsa  teimosamente pesava bastante. Apertei o nono  andar do elevador.  A porta abriu e fechou duas vezes. E   teimosamente o elevador  subiu. ...   ... ...  ... 
...
            Parou. E mais  alguns passos lá estava eu no apartamento. Pequeno. Apertado.  Mas ventilado.  Coloquei a bolsa sobre uma poltrona velha.  Tirei a camisa e fui tomar um ar na janela. Era uma janela grande,  bastante grande, de metal. O vento que  entrava era forte. Só não soprava mais do que o som brega que  desgraçadamente  vinha dos bares que ficavam na Barroquinha. Eu não sei o que era pior  morar na frente do Pelourinho ou nos fundos da Barroquinha.
           A Borroquinha é uma estação de ônibus entre o Pelourinho e a Estação da Lapa. Fica bem no centro de Salvador. Mas escondida entre  os prédios e os bares.  Entre a Barroquinha   e o meu prédio havia centenas de casas. Casas. Casas pobres. De um povo pobre. Excluído.  Pior,  eu estava bem no meio desta exclusão social. A maioria das pessoas pensa no médico como algo intocável. Quase um super herói. E ali estava eu. Mais para Homem-Aranha do que para Super-Homem. Tão humano e vivendo   a mesma mazela que os pobres da Barroquinha.  Fazer o que... fechei a janela do quarto.   Andei até a sala, abri a janela da sala, tão grande quanto a do quarto,   pequei  o controle remoto da televisão, que estava sobre a mesa, coloquei a  bolsa que estava na poltrona  no chão.  Sentei.  Um pouco de  lixo televisivo talvez me faça esquecer do Homem Morto, da Mulher de  Preto, do Professor Comunista. A ignorância é uma benção. Talvez por isso Deus tenha castigado Adão e Eva por terem comido o fruto do conhecimento. Bem feito aos dois.
(continua...)

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