Linha Verde.
Noite. Dentro de um poço em algum
lugar no litoral norte
Antônio custava a acreditar que estava lá. Jogado naquele
poço. Jogado a própria sorte. Já havia gritado tanto por ajuda que nem tinha mais voz só Murmúrios. O tempo passara rápido, e uma pequena parte
da lua se mostrava pela luz do poço... Um nesga de luz que entrava e deixava tudo dentro do poço meio
cinza. As pedras cobertas de limo , a água escura e salobra. Alguns objetos sem forma boiando,
Indistinguíveis. Sobre a água exalava um mal cheiro insuportável. Que cheiro horrível. Antônio somente se lembrava que estava no lugar errado, na hora errada. Um
mal entendido e pronto. Agora estava ali.
Lembrou que ainda andou um bom
pedaço dentro da mata. Encapuzado. Com as mãos amarradas. Os homens, vez por outra, falavam que ele iria pro
buraco. Nessa hora teve a certeza que
não fosse chegar vivo até o cair da
noite. Depois pararam, desamarram a sua
mão. Pensou em ficar em silêncio e sentir a morte chegar rapidamente através das balas. Mas não. Não
era isso. Disseram, “não era pra ser você seu burro! não era você”. Deram
um soco no seu estômago. Antônio curvou
o corpo com a dor. O ar lhe faltou
naquele momento. Nem recuperou-se
do golpe e o jogaram
para baixo dentro de um poço. Depois de um breve momento suspenso no ar,
sentiu bater em algo , era água. Tirou o capuz e agora estava lá. Entregue a
própria sorte. Ainda sentia a dor na barriga. Isso já faz quase
duas horas minutos. Mais ainda o incomoda. Se segurava o quanto podia dentro do poço
mal cheiroso. As pedras eram escorregadias.
Conseguiu agarrasse apenas em
algo que se parecia com um cano. Existia muitos dentro do poço, cada um em uma altura.
Pegou uma manga
da camisa e escorou nesse cano. Isso o mantinha suspenso
na água. A idade não lhe permitiria se
manter boiando tanto tempo. É verdade.
Cinqüenta e sete anos e ali. Dentro do poço. Hora ou outra sentia que havia
insetos ou algo parecido ali. Grunhindo,
passeando entre os canos, sob as
pedras da parede do poço.
A lua
quase se fazia entrar . Mais algum tempo e ela faria uma inclinação
perfeita com o fundo do poço.
Isso o ajudaria a visualizar melhor as coisas. Sempre passou a vida como
um coitado, bem verdade. Não teve pai.
A mãe era prostituta da ladeira
do Taboão. Morreu sifilítica quanto ele tinha dez anos. Antes de morrer disse a ele. Sobreviva. Foi o que ele fez. Sobreviveu. Com muito custo vendedor de balas, depois
engraxate , sapateiro, depois vendedor de livros. Pronto, estava no topo,
não podia ir mais longe... Arranjou
mulher , filhos uma casa no morro...mas a maldita da cachaça destruiu
tudo. Oh vicio desgraçado!. Oh vicio sem jeito. Uma bebidinha ali,
outra aqui... Quando foi ver já estava
viciado de dormi na rua. Perdeu tudo. Tentou lutar mas era fraco. Sempre foi.
Nunca soube levantar a cabeça, nunca
soube dizer não. Agora estava ali. Era
injusto, não tinha feito nada. Se não tivesse aceitado a ajuda de um estranho e vestido as roupas dele... Mas isso lá era motivo pra ta ali?!. Dentro de um poço mal cheiroso.
A dor na barriga ainda o incomodava...
Quase duas horas hora depois e ainda o
incomodava. Passou a mão sob a
barriga, a camisa estava estranhamente rasgada , passou o dedo pelo
buraco e sentiu que havia um rasgo na
sua barriga, próximo a cicatriz umbilical. Os
filhos da puta me furaram!?. O golpe na verdade teria sido uma punhalada. O
apunhalaram e o jogaram no poço. Covardes. A lua agora já quase jazia na
lamina de água do poço. A luz entrava
agora como uma flecha iluminado Antônio
e todo o fundo. O que era antes cinza
escuro tornou-se cinza claro , talvez agora ele visse algo pra ser a salvação
da sua vida, algo para o ajudar a sair daquela situação. Mas a luz que ilumina
é a mesma que amaldiçoa. O poço, não era
poço, o poço era uma fossa. O que boiava sobre a água era restos de fezes. E os
canos estavam repletos de dejetos . Que
horror. Antonio se desesperou. Não
iria morrer dentro de uma fossa. Ninguém nunca o acharia. Não merecia alquilo. As lagrimas tomou os seus olhos , ele
tentava agarrar as pedras mas
escorregava. Então tentou se apoiar nos canos mas estes não aguentavam seu peso e quebravam
antes que ele pudesse erguer o corpo da água. Então a barriga doeu ainda mais. Uma dor fina, como
uma adaga cravada no abdômen. Ele
colocou a mão novamente na barriga e quando a trouxe de volta a visão percebeu que os
dedos estavam cobertos sobre algo escuro. Sangue?!.
Seu sangue que se esvaia. Como algo inútil. Perdido naquela fossa. Então ele fechou os olhos, esconjurou os
desgraçados que fizeram isso até a décima segunda geração deles. Miseráveis.
Quando Antônio abriu os olhos percebeu
algo sobre a água que outrora a escuridão ainda não tinha lhe mostrado. Pior, na verdade não estava
somente sobre a água, estava também nas
paredes, nos canos, e cada vez se
mostrava-se em maior quantidade.
Ratos, Ratazanas. Tão grandes quanto os
maiores que já viu quando dormia nas
ruas. Estavam ali. Provavelmente se
alimentavam dos dejetos da fossa. E
agora se amontoavam ali. Era o Sangue. O
sangue os atraiam. Cada vez mais. Deviam
estar famintos. Eles viviam no meio do
nada, se alimentando de fezes de um fosso antigo. Agora tinham alimento
fresco. Ele. Ele. Antônio
sentiu seu desespero multiplicar. Começou a gritar o Máximo que podia. A voz já se fazia ouvir.
A mão correndo as paredes. De repente
sentiu como se algo tivesse mordido sua mão.
Desgraçado, desgraçado! Antônio começou a gritar, clamar por ajuda
cada vez mais alto. Então um rato voou
no pescoço. Ele Pegou o famigerado e o
atirou na parede. Mal deu tempo de fazer isto. Outro pulou na sua
cabeça. E outro e outro. Dentro do poço grunhidos de dor e de
desesperos brotavam. La fora. A relva
das plantas estava calma. A lua brilhava alto. Tudo estava em concordância. Somente os gritos
destoava... Mas não demorou muito...
Logo se vez ouvir um silencio
tenebroso.
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